Muitas tradições religiosas não possuem nenhum escrito considerado fundamental ou sagrado. São as chamadas religiões de tradição oral. Esta expressão não quer dizer que não haja escritos nesta religião ou escritores da própria religião que reflitam sobre a mesma. Nossa cultura é uma cultura da escrita e hoje não há certamente tradição religiosa que não tenha nada escrito. O que se quer dizer aqui com religiões de tradição oral é o fato de existirem religiões que não reconhecem nenhum texto como referência ou fundamento para a sua compreensão de fé. Se não há nenhum texto referencial, onde os membros destas religiões se baseiam para saber se estão seguindo corretamente a tradição? Esta é uma questão composta por muitos elementos. Queria apontar aqui para dois aspectos pelos quais ocorre a manutenção da tradição nas religiões que não têm escritos sagrados ou básicos. O primeiro aspecto é o papel do indivíduo nestas religiões. Cabe ao indivíduo assumir, carregar e transmitir a tradição. Ela só existe à medida que existem indivíduos no qual esta religião é realidade. Mas tem o indivíduo toda esta capacidade de fidedignidade na transmissão da religião? Isto vai depender muito da trajetória pessoal de cada fiel, mas um elemento bastante comum a estas tradições religiosas é que elas são religiões iniciáticas. Os fieis vão adentrando no conhecimento da tradição à medida que participam de processos de iniciação; processos estes que podem ser relativamente longos e durar anos. Este conhecimento da religião não é tanto teórico ou de estudos intelectuais, mas sim conhecimento experiencial. As experiências religiosas individuais são um elemento importante. Certos conhecimentos são tidos como segredos da religião, ou seja, somente conhecidos pela experiência e quem não experimentou não conhece. O segundo aspecto ao qual quero chamar a atenção aqui nas religiões de tradição oral é a importância central que nelas têm os ritos e os mitos. A participação nos rituais vai introduzindo o fiel na tradição experiencial. E estas experiências são recolhidas e narradas em mitos, contados adiante a partir das experiências. Estas histórias míticas têm uma dupla função: por um lado confirmam a interpretação da experiência individual e por outro sempre de novo se alimentam das experiências: o vivido é narrado e o narrado é vivido. E assim a religião de tradição oral se mantém e é transmitida.
Volney J. Berkenbrock, O mundo religioso (Editora Vozes)